




O universo visual de Sebastião Peixoto não cabe no compasso referencial do leviano e mergulha ora num caos profano do senso comum, ora num rasganço da consciência do banal, sangrando intempestivos pesadelos da auto-crítica e nevoeiros de ilusão.
São embarcações à deriva num mar de amputações e segredos decapitados por desvendar. Os limites da encenação raramente acabam no abismo entre o real e a fantasia. O observador é sugado para o espaço tridimensional da acção, do paradoxo estática-dinâmica, e tende a investigar, a percorrer os pântanos lamacentos do mistério, instigado pela desprevenida curiosidade, por aquilo que fica por compreender. É a necessidade de justificar essa sensação de incompreensão, de completar o puzzle da existência fantasiosa subtil e provocadoramente disposta em paralelepípedos “pixelados”, desejosos por prender a alma do visitante para sempre, que agarra o observador, o participante. A ansiedade remete ao analgésico que se encontra na insatisfatória e quase sempre improvável resolução do enigma, na contemplação das sombras e dos olhares vazios de banalidade e preenchidos pela solidão, pela perda, pela apatia, morte, loucura, e o sofrimento. O amor que arrancou o coração, este que agora divaga dilacerado por entre os cadáveres do desgosto.
É peremptório especular sobre a sombra projectada sobre o corpo da Kitty, agora fisicamente distante do seu lacinho vermelho, após o enforcamento seguido de decapitação, reflexo evidente do clímax de saturação mediática e mercantil que tal criatura instiga. A sua decapitação renova e/ou alivia o fastio ornamental e estético de uma juventude acrítica e lavada, e revela a urgência da sua patente efemerização. É um literal “Goodbye Kitty”. Milu expressa a sua angústia com a pata enquanto tenta compreender o significado do sangue que escorre da cabeça isolada pela sagacidade da lâmina que a separou do corpo de seu dono Tintin.
Nenhum comentário:
Postar um comentário